O Anjo Caído (Conto)



Eu não tinha muita escolha naquela hora. Uma vida estava prestes a se perder na minha frente e eu jamais suportaria a visão da morte daquele senhor na minha consciência.

- MEU DEUS DO CÉU! – Gritou a garota que acompanhava o senhor idoso na calçada. Enquanto o corpo ensangüentado dele sofria os espasmos do choque com o ônibus, a garota gritava em desespero. Impotente. Uma multidão se aglomerou ali e quase não se podia ver o corpo trêmulo do velho homem.
Não tive escolha. Pus o pé direito na proteção da sacada e meus amigos logo gritaram.
- Thomas, não! O que é isso, cara? Desce daí! O que você tá fazendo? – Robin disse quase tão desesperado quanto a garota lá na rua, mas eu não tinha tempo para explicar. Acho que mesmo se tivesse não explicaria. Atirei meu corpo para frente e comecei uma queda livre. Não pude ouvir meus amigos gritando, mas tinha certeza de que estavam. Tudo o que eu ouvia era o barulho do vento soprando com força nos meus ouvidos.

Um breve momento de queda e eu abri minhas asas.

- MEU DEUS, ME AJUDA, MEU DEUS! – Berrava a garota transtornada, mas logo ela e toda a multidão ficaram pasmos quando eu pousei batendo minhas asas negras bem perto do ônibus que esmagava o velho senhor.

- Ele não esta ouvindo, pequenina! – Eu disse abrindo caminho entre as pessoas que se afastaram às pressas de mim. Pus uma das mãos sobre o ônibus e ergui a roda traseira que esmagava o moribundo. Tirei-o debaixo do ônibus e o deitei bem devagar sobre o asfalto quente daquele horário. Quase totalmente desfigurado, a única coisa que se podia reconhecer naquele senhor eram os membros, o resto havia se transformado em uma polpa sangrenta de espasmos. – Vorbis vitam restituit. – Comecei a drenar meu espírito vivo para dentro daquele corpo quase morto e conforme eu ia devolvendo o vigor da vida a ele os seus ferimentos lentamente se fechavam, o corpo ia ganhando forma e mais uma vez a juventude iluminou as veredas do velho senhor.- Vurge et reviviscant! Tempore mortem nunc non est! – Esbravejei aquelas palavras que a muito não usava e uma luz quente brilhou com o som de um trovão ao nosso redor. Ele estava salvo!

Naquele dia eu tive que fugir para o mais longe que pude. Poucas pessoas acreditavam no que viram e como eu sabia que aquelas lembranças poderiam repercutir em muitas coisas eu tive que removê-las das mentes de mais de 1.500 pessoas. Não foi uma tarefa fácil, mas como havia sido bem marcante para eles, as memórias estavam bem expostas nos seus pensamentos.

Então eu o salvei. Ainda sim minha estirpe permanece odiada, zombada. Não sei se aquele velho senhor irá me agradecer pelo o que fiz por ele. Acho difícil. Não esta na natureza dos filhos de Adão demonstrar gratidão por seus benfeitores, mas ao menos agora mesmo sendo um anjo caído, um demônio, o que quer que seja...

...minha consciência esta tranqüila!

 Aquele velho homem vai viver...



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